No metro, com um podcast de true crime enfiado nos orifícios auriculares, abstraio-me. É true crime, por isso estou em paz, serena, focadérrima. Fecho os olhos para absorver cada sonzinho afiado e sombrio, cada inflexão da voz do narrador, num british english sensualão.
Estou ali há 5 segundos com as cortinas corridas para o
mundo que balanceia acima da linha do solo neste metro “de superfície”.
Atravessando o espesso casaco fofo, verde musgo, um blusão
de ganga e uma blusa preta que escolhi apressadamente, sinto diretamente na
pele um aperto no braço...ato contínuo, ainda sem abrir os olhos, giro o ombro
em direção ao bolso de trás das calças para sacar do passe e confirmar a validação da viagem
no dispositivo móvel do “pica” que não pica, faz bip. Não era o revisor.
Recolhi a mão e fitei. Estava olho com olho. Receei conjuntivite, porque sou
achacada a essas coisas.
- Esta noite – sussurrou a mulher de longos cabelos negros inclinada sobre mim, ela, e o decote que me esforcei por evitar mas já não
consegui... – esta noite (repetiu), reze dois Pai Nossos e uma Avé Maria antes
de dormir. Ouviu?
Ouvi, mas só consegui anuir com a cabeça porque ainda estava
a tirar os buds dos ouvidos.
- Eu estava ali a olhar para si, e... – mão esquerda dela no
meu peito, graças a Deus entre o ombro e a mama, e graças às camadas de roupa,
também!... – eu sou vidente, eu sei estas coisas. Você precisa. Eu sou vidente.
Agradeci. Não disse que fazia, mas agradeci.
Retirou a mão. Ah, não retirou...levantou e voltou a poisar.
Mais duas pancadinhas na fofura do meu casacão.
- Você precisa...
- Obrigada. – respondi. Saúde! (foi a única coisa que me
saiu. Desejei-lhe a física e a mental)
E sai a criatura naquela paragem.
Primeiro pensamento: “Fod#-se, estas coisas, só a mim.”
Segundo pensamento: “Ainda tenho o relógio no pulso?”
Terceiro pensamento: “Que caras faço eu quando fecho os
olhos para ouvir podcasts?!”
Quarto pensamento: “Eram duas Avé Marias e um Pai Nosso ou
dois Pai Nossos e uma Avé Maria?”
Quinto pensamento: “...se forem dois, o plural é em “pais”
ou em “nossos”?”
Raisparta.
Só a mim...
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