quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pontos (e vírgulas...) de vista


Sou fã incondicional de Eça, de Allende, de Marquez, de Greene, de uma lista enorme de povo que esgrime as letras. Mas há um amor que assumo mais intenso, íntimo e insano (os 3 com “i” no início por pura coincidência, que não creio que as haja…), um deslumbramento ao ler palavras suas por serem mais que discorrimento literário, porque pede de mim que esteja concentrada em si, no enredo, na história, nas personagens, nos cenários, nos cheiros e cores que cria…Saramago!

Ausência de pontuação é um plus, defendo isto com todas as garras, argumento e discuto com quem comigo se cruzar. Bebo linha a linha, parágrafo a parágrafo, entendo, interpreto e construo.

Quem o lê tem que estar ali, deixar-se absorver…Admiro quem “elastica” morfologia, sintaxe, métrica…gosto de quem brinca com estas coisas. E hoje, hoje em dia chuvoso, apetece-me brincar cá dentro, de casa e das palavras.

Proponho 2 cenários (perdoem-me o amadorismo de uma pseudo) para um mesmo texto, palavra a palavra que pontuados, cada um de sua forma, são outra coisa completamente diferente.

Cenário 1
Uma mulher presta declarações numa esquadra. Fala com o Inspetor e termina divagando nos pensamentos evocando o objeto do seu afeto.
Que homem lindo, Sr. Inspetor!
Nunca soube o que era o amor até hoje!
Parece-me que sempre fui capaz de tudo incluindo matar…
Se tenho saudades? Tenho. Desses tempos de ingenuidade em que tudo era claro.
Agora percebo onde andava. Andava, sim andava num estado de dormência, na penumbra, não era feliz…
Agora sim, sei-o eu, matou-se o desejo. Por agora fico onde estou, contigo, presente…
Cenário 2
Um Inspetor roça o limite da sanidade mental após um acontecimento dramático. Foi presente a uma Inspetora-Chefe mas não está numa esquadra…
"- Que homem! Lindo, Sr. Inspetor! Nunca soube o que era o amor?
- Até hoje parece-me que sempre fui capaz de tudo.
- Incluindo matar-se?
- Tenho saudades, tenho…desses tempos de ingenuidade em que tudo era…
- Claro! Agora percebo onde andava…!
- Andava?!
- Andava, sim! Andava num estado de dormência, na penumbra.
- Não…
- Era feliz?
- Agora, sim…
- Sei-o eu! Matou-se! O desejo…
- Por agora fico…onde estou? Contigo?!
- Presente!"

(Nota, para que se entenda a conclusão desta história: Importa informar que o Inspetor faleceu por vontade própria, consumou portanto. Este estar “presente” é de facto já perante uma comissão de inquérito…no Purgatório.)
- Trechos Nocturne in C minor Op.48 de Chopin -